Mattenie & Goribeatzz — Prensa

Pedro Pinhel
Original Pinheiros Style
3 min readMar 4, 2024

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Deve ser a água ali do Vale do Paraíba. Não é possível.

Depois de lançar um dos grandes discos de 2022 na minha opinião, o absurdo Malbec & Fettuccine, criado em parceria com o feroz Barba Negra, o MC de Jacareí Mattenie voltou sem dó nesse não menos impressionante Prensa, inteiramente produzido pelo carioca Goribeatzz. A combinação de produtores está longe de ser simples coincidência; Gori e Barba estão na linha de frente da produção do rap underground bem feito em terra brasilis pré-apocalipse (alô, Trauma!), e seus experimentos, cada um à sua maneira, os aproximam cada vez mais de cachorrões gringos do estilo como Alchemist e Muggs — as experimentações com loops brasileiros recortados no pique drumless características de Barba são tão bem-vindas e autênticas quando o estilo denso e tenso dos arranjos e batidas de Gori, e os MCs que topam se desafiar sobre essas bases sabem que têm que ter a manha. Mattenie é um caso à parte; o flow grave, cadenciado, as ideias inteligentes e referências que vão muito além do coke rap que têm feito a cabeça de boa parte do rap alternativo em 2024 fazem dele uma espécie de alien dentro do próprio rolê. A começar pelo props à prensa e ao café, nada aqui é óbvio. Pra ele, nada como um café, um bom livro e a expectativa do filho que vai chegar em alguns meses. E precisa de mais? Críticas incisivas ao estilo de vida bicho solto, ao álcool e ao rolê cansado da madrugada se contrapõem ao que o Lionel Richie um dia chamou de ‘high on sunshine’; o tema em destaque aqui é a reverência pelo simples, pela saúde, ‘meus livros e discos e a fé no Vale do Paraíba’ (e.g. Black Alien, 2000) — se não me engano ele faz referência até mesmo a umas corrida de 10k, que eu não sou a favor mas também não sou contra. Fazer rap por fazer, sem esperar um puto de volta num game que tem um monte de zé ruela que só tá de olho no papel é coisa de quem ama a arte, e eu confesso que me identifico até demais. Prensa tem um monte de convidado, todos parceiros do artista, e quase todo mundo conseguiu colar e se trombar pra gravar cada uma das dez faixas — a união definitivamente fez a força aqui, e o rap agradece. O próprio Barba, Galf AC, Traumatopia, Bianca Hoffmann, Rato e boas surpresas e artistas que ainda não manjava muito, como Enidê MC e Pedro Simples, fazem a festa de quem curte aqueles play versátil, com diferentes flows e ideias em diferentes trechos. Difícil dizer qual faixa me bateu melhor até agora, mas preciso dizer que as duas últimas, “Balneário” e “Bourbon Amarelo”, são do grande caralho. A primeira é um excelente cartão de visita do talento lírico e da ‘erudição das ruas’ de Mattenie, e a segunda, discutivelmente a melhor do play, chega com um synth pesado e sampleia uma fala clássica de Roberto Benigni em ‘A Vida É Bela’ pra colar com a ideia inicial da faixa, “assistindo ‘A Vida É Bela’ chorei igual criança”. Mattenie pode até chorar como um molequinho, mas o rap dele é de gente grande. E se você ainda não ouviu, tá moscando.

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