
Zudizilla — Zulu, Vol. 2: De César a Cristo
Já faz algum tempo que o Zudizilla faz parte da linha de frente do rap nacional. Bom, pelo menos pra mim. Desde quando? Pelo menos desde 2019, quando o cara lançou o impressionante Zulu, Vol. 1: De Onde Eu Possa Alcançar o Céu Sem Deixar o Chão. E, pra nossa alegria, acaba de sair do forno o segundo volume do projeto; fruto de produções de diversos beatmakers (Dario Beats, Iniv Beats e Heron Francelino, Emidois, Janiuska, Lucas Romero, KVNS, Selektah KBC), Zulu, Vol. 2: De César a Cristo é discutivelmente mais vigoroso que seu antecessor, e mais cheio de detalhes pitorescos. Vem comigo: Zudi é nascido em Pelotas, imagine você. Não dá pra imaginar o nosso Mississipi oferecendo ao cara grandes oportunidades, ou mesmo um cenário em que o racismo não estivesse em seu campo de visão 100% do tempo. O artista está em São Paulo há alguns anos, mas traz muito de sua cidade para este segundo volume de Zulu. Bairros, tretas, diferenças sociais, raciais, saudades, tudo parece finalmente dar a ele um senso de pertencimento ao mesmo tempo em que sua música o leva a um lugar em que jamais esteve. Um delicado telefonema para sua mãe (quem preza o tema tá ligado) sobreposto por um beat abre o disco em “ Afortunado”, uma espécie de resgate de uma conexão cheio de promessas, memórias afetivas e um espírito capaz de emocionar na primeira audição. Confesso que me emocionei em vários outros trechos do disco, porque acho que o Zudi coloca o coração na caneta em diversos momentos do play, e isso é fundamental para um bom MC. Em “Salve”, a primeira referência explícita não só a Pelotas, mas ao filho Dayo, de quase 2 anos, fruto do relacionamento com a cantora Luedji Luna. “Me promete que vai contar pro meu filho que virei lenda na esquina de uma cidade onde ninguém nos vê” é uma voadora no racismo nada velado de uma cidade, ou de um estado, ou de um país inteiro. Na excelente “Ra Un Nefer” ele se compara a Ra Un Nefer Amen, o fundador e rei da Sociedade Ausar Auset, uma organização espiritual Pan-Africana dedicada a oferecer treinamento espiritual para pessoas de descendência africana. Outra favoritaça por aqui, “Tela Em Branco” tem aquele pique R&B, downtempo, relaxadão, creditando “discos e vícios” como uma espécie de tábua de salvação para os tempos bicudos que vivemos. E aí a gente chega em “Skit (Azul Neon)”, a grande cereja deste bolo floresta negra; um verdadeiro tributo ao G-funk vindo lá de 1993, que te pega no pulo logo na primeira audição, e ainda conta com um sample de Pedro Paulo e seu indefectível “amante do drama, vem pra minha cama por querer”… vix. Coisa finíssima. “Hora Dourada” é outro som que explicita o lado cronista romântico de Zudizilla, um skill que nem todo rapper tem a manha — nem todo mundo tem aquele JC Sampa adormecido no cerebelo, pique liga-e-desliga, pra cantar de amor a hora que quer. E o resultado aqui é bem acima da média, longe de soar forçado, e sugere até a possibilidade de um disco inteiro nessa direção — quem sabe? “Sonhos Imperiais” é outra preferida aqui no Capotão. Beat contemporâneo, produção impecável, flow nos cascos, natural, e um excelente ‘resumo’ do projeto em apenas uma faixa. Outro golaço do rapper, que claramente vive uma fase mais madura, conta com mais estrutura em sua produção, pode colocar suas ideias em prática com mais convicção, mas é inteligente demais pra cair na armadilha de achar que o jogo tá ganho. O jogo tá só começando, e Zudizilla tá ligado que o barato é louco e o processo é lento. Que disco, meus amigos!

https://www.youtube.com/watch?v=dsCgJmnq6AY
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